Um dia de salário e a causa de nossa crise

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Política é ciência ou arte, ciência e arte disputam seus respectivos reinados e seus princípios são absolutamente distintos. A arte tem a vantagem de ser iluminada pela intuição, pelo imaginário, pode ser instigante, mas concomitantemente incorreta. E a ciência, com suas precauções, não raro é acertadamente vagarosa. Às coisas simples da vida basta a lanterna da arte, que as organizam e lhes dão sentido e colorido. 

Num momento excepcionalmente crítico à economia e à política do Brasil, descobre-se uma causa importante de nosso “débâcle”, que a Câmara dos Deputados, insuscetível de ser chamada de egrégia, traz à pauta, com um óbvio objetivo: ocultar as verdadeiras causas, plúrimas, remotas e imediatas, de nosso drama atual. 
É o “monstro” do imposto sindical. Registra-se que o monstro frequenta nossas terras desde Getúlio Vargas. É verdade, salvo quanto ao aspecto. Não se trata de nenhum monstro, que penetre qual uma lâmina a vida de nossos compatriotas. Nesse período, tivemos momentos bons e momentos de crise, sem que se identificasse um imposto pago pelas categorias a seus órgãos de representação sindical como o grande causador dos males. 
Intuitivamente se percebe que não deveríamos estar a discutir o imposto sindical. O próprio presidente Temer admitiu que, por ele, esse assunto não estaria pautado. Porém, complementa que pode propor reduzir o desconto a 1/5 ou 1/3 de um dia de salário. 
Isso num país em que os trabalhadores recolhem impostos que superam a casa de 180 dias de salário. Só por aí se verifica que se enganam, ou nos enganam. Que festa faríamos se a proposta fosse de redução do conjunto de impostos! Em 1/1. O Brasil estaria numa alegria inédita, até porque a renúncia fiscal não abalaria a fazenda pública, mas a quantidade de corrupção que corrói nosso país. 
O imposto sindical é um dos poucos que não são imiscuídos no preço dos produtos. É suportado pelos trabalhadores. Repassar a quem, se seu único produto é a força de trabalho, que não se vende na padaria da esquina. Daí porque nada representar à economia, em nada molestar a sociedade, o tributo monstruoso que escreve as linhas desse mistério medieval ao iluminar a velas a Câmara dos Deputados. 
Nem mesmo prejudica os trabalhadores, quando seus sindicatos são atuantes e resgatam em seu favor muitos direitos que lhes não seriam conferidos pelos marcos legislados. Se as representações são falhas, as assembleias eleitorais das categorias podem corrigi-las. E o fazem, amiúde, com vitórias de oposições. A grande pergunta: em que medida o imposto sindical agrava a saúde da sociedade e justifica esse “monopólio” de debates congressuais? Se for extinto ou reduzido, em que medida a vida de cada um de nós será melhorada? Em nada. É no que resulta o transporte de um assunto privado (os sindicatos são pessoas jurídicas de direito privado) ao dilema público. 
Se o governo anterior foi aparelhado por sindicalistas (da CUT, braço sindical do PT), não foi o imposto sindical, que é meio de sustentação de todos os demais sistemas confederativos, obviamente, a causa, mas a velha “vontade política” desse segmento que, no poder, atulhou o Estado de “aspones”, empregados de confiança, peculiares do Brasil. As democracias avançadas contam com burocracia suprapartidária, concursada, estável e capaz, em ordem a servir a todos os governos; a máquina administrativa não é composta de engrenagem de cabos eleitorais. 
Custa crer que, repentinamente, o colégio congressual, fortemente contaminado por investigações policiais e ações judiciais, transforme-se em defensor de pobres trabalhadores que, num contexto de mais de 180 dias, sofrem o desconto de 1, talvez o único tenha retorno. 
Não se conhecem as causas dos fenômenos em razão de ignorância ou má fé, neste caso para ocultar as causas verdadeiras. Na primeira hipótese, a política é desafiada por conhecimentos científicos. No segundo, a simples intuição, a arte de saber de pronto, nos mostra como podemos ser enganados, para vegetar na mesmice de um país subdesenvolvido.

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